Publicada na Revista My Wave
Tem jeito de mensurar o valor da arte? Neste tempo em que bandas como o Radiohead desafiam o público colocando suas canções a venda por preço livre, como medir o investimento? Com tantas novas formas de vender a produção de um músico honesto, quanto vale o show, maestro?
Há algum tempo, o mercado fonográfico está no olho do furacão e a previsão continua instável. A velha fórmula das grandes gravadoras está vencida e não acompanha nem de longe a velocidade com que os recursos da internet se renovam. O formato MP3, patenteado em 1994 pela Fraunhofer Society, democratizou a música através da rede e acabou se tornando o principal concorrente das gravadoras, com um atributo our concur: é de graça.
O jornalista e DJ Lúcio Ribeiro é quem nos adianta as novidades do mundo da música em seu blog http://www.popload.com.br. Segundo ele, buscar alternativas para realizar transações no universo musical é um processo ainda em fase de descobertas, onde nada é definitivo. “Pode ser que o modelo de negócios para a música tenha que mudar totalmente. Muitas bandas estão doando sua produção e ganhando dinheiro só com shows lotados, em grandes eventos com grandes patrocinadores por trás”, afirma. Para ele, isso é uma realidade entre a maioria dos músicos: “O modelo antigo de grande gravadora, que é de certo modo predadora e que ruiu com as novas tecnologias, beneficiava um número muito pequeno de grupos”.
Hoje, qualquer um pode chamar três amigos, formar uma banda e, com uma mínima estrutura, enviar sua música de dentro do seu quarto diretamente para os internautas de toda a web, de graça, eliminando os intermediários de venda e até as interferências na criação. “Antes, você dependia da gravadora pra te colocar em uma rádio, às vezes com jabá, às vezes com assessoria de imprensa, outras com um trabalho que interessava mais a empresa do que o músico. Esse processo acabou. Por outro lado, é impossível fechar a questão sobre o modo como isso vai acontecer, ainda estamos no esquema de tentativa e erro”, avalia Lúcio.
Primeiro eram o Napster, o Soul Seek, o Kazaa, o e-mule. Depois o You Tube, o Myspace, o I-Tunes, a Last FM, os celulares que vêm com álbuns completos. E quais serão os próximos recursos? É inútil especular, se o que é tendência hoje vira obsoleto amanhã. Talvez um dos portais mais populares entre os músicos de nossos tempos seja o Myspace, onde gratuitamente, qualquer banda pode se inscrever, disponibilizar sua música, fotos em alta, release e, ainda, trocar ideia com muita gente que está no mesmo barco. Sem contar que com uma boa divulgação, sua lista de seguidores pode se multiplicar a cada dia.
Os gaúchos da Severo em Marcha fazem parte da leva atual de novas bandas de um Estado que é celeiro de talentos. Eles colocam a mão no fogo pelo uso do Myspace (www.myspace.com/severoemmarcha). Seu som bebe na fonte de várias vertentes do rock e foi divulgado através desta rede social. O vocalista Ricardo Sabadini conta como o site foi um grande abre portas para a banda: “É nossa principal ferramenta de divulgação. Usamos a internet com muita força, nos dedicamos e acabamos bombando entre formadores de opinião no Brasil inteiro”. Para o pessoal da Severo, viver da música tem um significado bem abrangente: “São vários mercados: banda, jingles, estúdio, produção… Vai da capacidade de assimilar e querer trabalhar, saber usar as ferramentas disponíveis, ser criativo e ter muita vontade”, afirma o baixista Edu Meirelles. O vocalista reforça: “Exploramos e curtimos muito os shows. A grana vem deles, onde também acabamos vendendo discos. Com a maioria é assim. As gravadoras são foda. As bandas têm que se empresariar. Somos como uma micro empresa”.
Para o multiartista FLU, que tem entre seus projetos a Banda Leme e a Robô Gigante (confira em http://www.myspace.com/bandaleme e http://www.myspace.com/robogigante) “O valor da invenção de algo é medido pelo gasto de neurônios e isso não tem como passar pra moeda corrente”. Este pensamento faz de FLU um “baixador compulsivo de músicas”, como ele mesmo definiu. É claro que a contrapartida é verdadeira e cada plano em que FLU está envolvido também está disponível na rede. “Se existe uma energia sendo colocada no trabalho, de maneira ou de outra ele vai trazer um retorno”, acredita. O cara sempre optou por caminhos diferentes de mostrar seu trabalho, e não só utiliza a internet como produz muitas trilhas para cinema, TV e publicidade. Ele lembra que alguns blogs são as melhores maneiras para encontrar raridades musicais na rede, destacando o Bolacha Grátis (www.bolachasgratis.baywords.com).
De fato, para a alegria da geral, quem mais se beneficia hoje com as tantas opções para disseminar a música é o público. “Se tem alguém vencendo com tudo isso é o próprio ouvinte, é o lado de lá, quem consome a arte, exatamente porque ele tem uma série de mecanismos e instrumentos novos que o permitem eliminar a influência de rádio, gravadora, jornal… Ele não precisa de um grande jornalista para orientá-lo, podem ser as dicas de um amigo”, aconselha Lúcio Ribeiro. É a independência em relação ao mainstream.
Na contramão do conceito convencional, artistas consolidados andaram inspirando seus fãs e pupilos. Um bom exemplo foi a atitude dos ingleses do Radiohead, que desvinculados de gravadora, lançaram em 2007 o álbum In Rainbows em dois formatos: dez faixas em MP3 ou uma box com mais 7 músicas inéditas, vinis e outros mimos de Thom Yorke e sua turma. Enquanto na época a Box custou 40 libras, o material vendido pela internet não tinha preço. A determinação do valor era feita pelo próprio comprador. Sim, muita gente não desembolsou nada pelas canções. Na ocasião, o guitarrista Jonny Greenwood, explicou que a intenção não era atacar a indústria fonográfica, mas lançar logo o disco que vinha sendo trabalhado desde 2005. Impossível não despertar a reflexão sobre o download ilegal de música. “Achei que era algo interessante pedir que as pessoas comparassem a música com todas as outras coisas a que dão valor na vida”, filosofou Greenwood. “Nós trabalhamos por quase dois anos nesse disco. Agora diga quanto vale a nossa arte. Se acha que não vale nada, pague isso”, provocou ele na época. Segundo o levantamento da Billboard em média foram pagas 5 libras (em torno de R$ 18 reais) pelo In Rainbows. O dinheiro ficou com a banda e, ironicamente, a box foi mais vendida que o disco em MP3.
Lúcio Ribeiro Lembrou que Arctic Monkeys também lançou seu último disco na internet com o maior alarde. No momento em que chegou às lojas, o disco já bateu recorde de vendas. Moral da história, qualidade e criatividade nunca deixam de ganhar. Lúcio observou: ”Isto não quer dizer que seja este o modelo final do negócio”. Radiohead e Arctic Monkeys estavam no lugar certo, na hora certa e com a estratégia certa… “Até porque a gente não sabe o que bandas como estas têm em mente. Vão fazer a mesma coisa, vender de um modo antigo, ou inovar ainda mais?”, instiga o jornalista.
Tramando o futuro
Um dos cases legitimamente brasileiros de maior sucesso neste mercado é a Trama Virtual (www.tramavirtual.com.br). Em 1998 João Marcello Bôscoli e os irmãos Cláudio e André Szajman investiram na ideia da gravadora que se tornaria sinônimo de folego para os músicos independentes no Brasil . Na Trama, acima de qualquer interesse de mercado, está a liberdade criativa.
“Começamos o projeto porque tínhamos um acervo com cerca de cinco mil CDs/fitas demo e o ritmo de chegada continuava a crescer. Era uma angústia perceber o volume de produção musical local e a dificuldade de publicar essas obras. Foi aí que Cláudio, André e eu decidimos: vamos criar um selo virtual onde os artistas possam expor suas músicas através da auto-publicação. Assim nasceu a TramaVirtual”, explicou o músico, produtor e sócio do selo, João Marcello Bôscoli.
Uma negação da padronização músical e da fama a qualquer preço, a Trama estabeleceu modelos de vanguarda na cena brasileira. Bôscoli orgulha-se em falar do pioneirismo de sua plataforma: ”Nunca copiamos ninguém; criamos a TramaVirtual antes do MySpace; o padrão ‘de graça para você, remunerado para o artista’ também é algo inédito”.
A mecânica do download remunerado funciona como assistir a um programa da TV aberta, é de graça, mas os anunciantes cobrem o custo do artista. O valor a ser repassado às bandas é baseado na dinâmica de pagamento de royalties. Louvável iniciativa, onde todos saem ganhando. Outra novidade nesta mesma linha é o Album Trama (www.albumvirtual.trama.com.br), que permite que o usuário cadastrado baixe discos completos com encarte e tudo.
Para fomentar o mercado da música na íntegra, os parceiros da Trama dispõem de assessoria completa, com direito a produção de eventos, audiovisual, núcleo de moda e imagem. Não é a toa que esta verdadeira usina de talentos revelou a nova cara da MPB: Otto, Max de Castro, Luciana Mello, Fernanda Porto, Rappin Hood, Cansei de Ser Sexy, entre outros. Lista boa né… Qual será a próxima aposta de Bôscolli? “Entre tantos gêneros e segmentos é muito difícil dizer um nome… Vou falar de um grupo que respeito muito: Quinteto em Branco e Preto”. Faça seu download e aproveite a dica.
Box
TramaVirtual em números
Veja algumas estatísticas que ilustram uma fatia do mercado da música online no Brasil.
• Mais de 1 milhão usuários cadastrados;
• Mais de 16 milhões de downloads de músicas;
• Faixas em streaming já foram ouvidas mais de 50 milhões de vezes;
• A TramaVirtual conta com 63 mil artistas e mais de 157 mil músicas disponíveis gratuitamente;
• A média de pageviews é de 7 milhões