Para a Revista GOL em jun/09

Esta é a época mais interessante para viver e sentir porto alegre. Quando o frio brinda a cidade, a gente e as paisagens locais se tornam especialmente belas e inspiradoras.

A capital gaúcha tem o ambíguo privilégio de conhecer bem as quatro estações do ano, às vezes no mesmo dia. Mas quando a temperatura baixa, os termômetros de beleza e poesia sobem. O frio deixa ainda mais brilhantes os horizontes do Portinho. O vento gelado acentua as luzes do skyline de Porto Alegre, com aquele pôr-do-sol misto de laranja e cor-de-rosa.
Em seus contornos de metrópole, o alegre porto dos gaúchos se volta para pequenos redutos culturais e notívagos onde, aliás, encontra a sua identidade. Escolhemos alguns bairros para ilustrar este espírito artístico e entre paradas obrigatórias, descobrimos dicas douradas e o sorriso fácil dos porto-alegrenses.

Centro Cultural
Como em qualquer grande cidade, caminhar no Centro de Porto Alegre é uma mistura de aventura e encantamento. Em meio à correria é possível admirar a cultura de seus prédios históricos. O Mercado Público, no Largo Glênio Peres, data do ano de 1869. Lá, as tradicionais bancas de especiarias dividem espaço com restaurantes clássicos onde se come de tudo, mas principalmente bons pescados.

Experimente caminhar pela Rua dos Andradas, ou Rua da Praia, a mais antiga da cidade. A parada na Praça da Alfândega será inevitável. Ela abriga a tríade dos museus mais emblemáticos da capital: o MARGS e seu acervo com quase três mil obras de artistas locais, nacionais e internacionais; o Memorial do Rio Grande do Sul, que conserva elementos da história gaúcha; e o Santander Cultural, uma união de arquitetura clássica com mostras contemporâneas que resulta em um contraste interessante.

Seguindo pela Rua da Praia, chegamos à Casa de Cultura Mário Quintana. Entre os anos de 1968 e 1982, o antigo Hotel Majestic serviu de residência deste grande poeta que revelava a cidade com sensibilidade ímpar. Hoje, transformado em um espaço cultural, oferece exposições, palestras, oficinas, salas de cinema e cafés. Perto dali, chegamos na Usina do Gasômetro, às margens do Guaíba, o emblemático lago (equivocadamente chamado de rio) que banha Porto Alegre e define muito da beleza e da personalidade da cidade.

O fim de tarde à beira do Guaíba mostra o lado mais bucólico da cidade. Perto dali, o Museu Iberê Camargo é um gigante branco cravado na paisagem. Em nossa visita pelo acervo do artista, cruzamos uma figura incomum fotografando o ambiente. Ao puxar conversa com o alemão Matthias Heskamp, arquiteto e mochileiro de sotaque bem carregado, soube que ele trabalhou em Portugal no escritório de Álvaro Siza Vieira, responsável pelas peculiares formas do prédio. Medindo palavras, Matthias explicou que ao projetar o museu, Siza procurou interagir com aquele cenário harmoniosamente e de forma artística.

Ainda que mais discreta do que em outros bairros, a noite tem seu lugar no Centro. Para descobrir, acompanhamos a publicitária Camila Farina, agitadora cultural da cidade. Segundo ela, nada pode ser mais delicioso do que assistir a um espetáculo no Theatro São Pedro e tomar um chope bem gelado no Odeon. O pequeno piano bar recebe informalmente grandes músicos como Jorginho do Trompete e o flautista Plauto Cruz. “O Odeon é pequeno, não aceita cartão, não tem frescura, mas tem boa música. Aqui, New Orleans encontra Copacabana, como ouvi alguém dizer por aí”, completa Camila, sorrindo.

O Moinhos de Vento e suas calçadas da fama

No bairro Moinho de Ventos fica a região mais sofisticada de Porto Alegre. O Hotel Sheraton e o Shopping Moinhos formam um luxuoso casamento na ponta da Avenida Padre Chagas. O almoço no saguão do hotel é uma boa escolha: todas as sextas-feiras, o Bistrô Porto Alegre celebra a culinária francesa. Outra opção de estadia na região é o Blue Tree Tower, que tem uma privilegiada visão da cidade.

Um chimarrão no Parcão ou nos jardins do DMAE (a empresa de águas) aquece para o desfile pelas lojas mais interessantes de Porto Alegre. Se puder investir, procure a Conte Freire, multimarcas de luxo que oferece desde enoteca até importantes grifes nacionais e importadas. A vitrine da Vulgo certamente chamará a atenção pelas suas peças divertidas, funcionais e pautadas pela qualidade.

Perto dali, um clássico: a culinária tailandesa do Koh Pee Pee. Há 12 anos instalado em um antigo casarão, o restaurante tem temperos, louças e experiência gastronômica vindos diretamente da Tailândia. Mas a hospitalidade e a simpatia do proprietário, Eduardo Sehn, são originais da Praia do Rosa mesmo, em Santa Catarina.

Entre boêmios e intelectuais

No bairro Bom Fim, o ecletismo toma conta das ruas e reflete um passado de resistência política e cultural que acabou formando o perfil de seus frequentadores. Escolha um domingo para viver toda a diversidade do Brique da Redenção, a clássica feira onde reinam artesanato local, antiguidades e liberdade de expressão. Lá está o ponto de encontro de movimentos sociais, partidos políticos, artistas de rua e outras figuras desse universo que desconhece preconceito.
Pelas redondezas uma boa lista de bares e cafeterias. A dica é experimentar o Gibi, com seu clima intimista e ambiente tomado pela sensualidade dos quadrinhos italianos. Vale conferir as deliciosas bruschettas de lá.

Depois, dispa-se de qualquer pretensão e visite a Lancheria do Parque. Opte pelo X-Coração com algum suco natural servido em liquidificador. “A Lancheria do Parque representa bem o clima de boemia intelectualizada que o Bom Fim carrega. Os garçons têm coração de ouro e na segunda vista já são teus melhores amigos”, atesta o vocalista da banda Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro. Ele lembra ainda que nas proximidades do bairro está uma das mais tradicionais casas noturnas da cidade, o Porão do Beco. Mensalmente, a casa mais eletro-rock de Porto Alegre monta o palco para a Império da Lã. A banda reúne amigos de diferentes projetos musicais que queriam ampliar seus repertórios. A cada festa eles reproduzem um álbum clássico completo de grandes nomes da música. Fomos conferir a noite em que Bob Marley era o protagonista e a trilha sonora foi o disco “Catch a Fire”. Para nossa surpresa, quem se divertia ao som da Império da Lã era o ator Reynaldo Gianecchini.

Não longe dali, a noite ferve no Ocidente. Em seus 28 anos, o bar é palco de momentos artísticos históricos. Durante a semana rolam shows e o tradicional Sarau Elétrico, que mistura música e literatura. Os sábados são temáticos. Boas referências para se jogar na pista: a festa Pulp Friction homenageia Tarantino, enquanto a Blow-Up comemora o cinema italiano/mod dos anos 60.

Noite em alta na Cidade Baixa
A Cidade Baixa é a mais democrática passarela noturna de Porto Alegre. Comece pelo Mercatto d´Arte, um restaurante que abusa da memorabilia, já foi antiquário e hoje é o preferido de quem quer um clima mais romântico.

Perto dali, o Mufuletta convida para um bom bate-papo, cerveja gelada, som agradável, paredes forradas de arte e cardápio especial. Se você gosta de comida com muita pimenta e condimentos, não deixe de provar o risoto Jambalaya.

Para tomar um chope tirado com perfeição e se deliciar com petiscos de boteco, a pedida é o Natalício. Um misto de botequim carioca com herança pernambucana.

E depois de passear pelos bairros da cidade, dificilmente você voltará para casa sem entender o porquê da capital gaúcha se chamar Porto Alegre.